12 dezembro 2004

Registo

Aprendi muito com a elaboração e discussão na praça pública deste Orçamento.

Percebi como é um privilégio arriscar ser violentamente criticado apenas porque se decide, se opta e se escolhe com convicções, com rigor e com esperança.

Senti, como nunca, como é que certas pessoas fazem, de um modo falso e quase angélico, o discurso do interesse geral, para tentar ganhar nos interesses corporativos ou mesmo particularistas.

Senti como alguns arautos da consolidação tentam contrariar as mais elementares regras da aritmética orçamental. Isto é, exigindo mais nas parcelas (entenda-se despesa), ao mesmo tempo criticando o ministro das Finanças por a soma não ser inferior.

Senti por que é que alguns interesses parecem preferir a instabilidade e a indisciplina para que melhor medrem os respectivos proveitos.

Senti como alguns se servem da discussão pública do Orçamento como palco para dissimular as suas incapacidades, despeitos e pequenas «vendettas».

Senti como é coerente a incoerência de tantos paladinos do rigor que, por certo, já se esqueceram do que não fizeram ou do que deixaram fazer, por acção ou omissão, em cargos e ocasiões passados.

Senti como é fácil para certas mentes enunciar princípios de aceitação universal, como a luta contra a evasão e fuga fiscais, desde que não passe disso mesmo: mero enunciado de intenções.

Percebi que é «dispensável» a leitura do Orçamento para sobre ele se dissertar eloquentemente.

Percebi que o medo também orienta a crítica.

Bagão Félix, 3 Dezembro 2004
in Expresso de 4 de Dezembro de 2004