11 junho 2005

Lido

O mundo foi da Poesia, nos primeiros séculos da nossa era. Repetir-se-á o milagre? Voltará o deus dos poetas contra os sábios, que só acreditam na matéria, e com ela fabricam explosivos, gases asfixiantes, máquinas pavorosas? Nesta orgia industrial moderna, paródia em ferro e vapor, da orgia pagã, o homem está morto ou isolado do seu espírito. Existe, mas não vive. Existe a duzentos quilómetros à hora, mas com a vida parada dentro dele. Vida inerte numa existência delirante. Seduzido pelo ruído e movimento, as duas faces desta civilização americana ou neo-neroniana, integrou-se num sistema mecânico industrial, e é simplesmente uma engrenagem. O ideal da ciência é a morte absoluta; a morte da alma e a do corpo: ateísmo e milinite. O homem, desviado do seu destino, que é tornar-se consciência universal, perante o Criador, mente à sua própria natureza e perde a razão de ser. Daí, a paralisia moral em que ele jaz e a velocidade que o desvaira, e leva para o túmulo. Pretende eliminar o espaço e o tempo, converter-se numa entidade fictícia, simples imagem abstracta, perpendicular a um solo vertiginoso. Pretende evaporar-se. Eis a grande sensação moderna, depois do sentimento antigo. Mas confiemos no espírito humano.

in São Paulo, de Teixeira de Pascoaes.