19 maio 2005

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse
aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar
enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande
sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a
chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma
tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um
começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim... -
Eu
falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um
altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que
não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o
sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram
grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo
encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas
que beijei mas não vivi...

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............................................................

Um
pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse
aquém...

Paris, 13-5-1913

Mário de Sá-Carneiro (19/05/1890 - 26/04/1916).

1 Comments:

Blogger hfm said...

Um dos mais belos poemas de Mário de Sá-Carneiro-

2:38 da tarde  

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